Chamado, apropriadamente, pela professora Aurélia Castiglioni, da Ufes, de “revolução grisalha”, o envelhecimento da população desafia os gestores públicos e a sociedade em geral. Por volta do ano 2050, as curvas de natalidade e mortalidade vão se encontrar e a população brasileira estará muito mais velha que hoje e começará a declinar. Ou seja, a partir daí, vai morrer mais gente do que nascer.
Organismos internacionais mostram-se preocupados com isso. Mais de 50% da população brasileira, então, terá mais de 60 anos e a expectativa de vida será de 81 anos, a mesma de países altamente desenvolvidos, como Japão. Entretanto, a preocupação não é só com os números, mas com as condições em que isso vai acontecer. Recentemente, uma autoridade internacional comentou: a população brasileira vai envelhecer antes de enriquecer.
Quando esse dia chegar, estaremos diante da seguinte situação: previdência oficial quebrada, população feminina maior do que a masculina, um grande contingente de brasileiros pobres e doentes, e a força de trabalho declinando. Se hoje o problema é de falta de mão de obra qualificada, então será de absoluta falta de mão de obra, seja qualificada ou não. A natureza do trabalho está mudando muito rapidamente e o sistema educacional ainda não despertou para isso.
Participei no último final de semana de um evento de marketing internacional e o dirigente de uma das maiores empresas de nutrição do mundo disse que três desafios batem à porta: obesidade, envelhecimento da população e desemprego e/ou subemprego.
Na esfera pública, falta planejamento para quando chegar o “Dia D”. Nossas políticas públicas são muito mais reativas do que preventivas. A cada dia aumenta o número de médicos e hospitais e a saúde pública e privada estão entrando em colapso, porque não se ataca a raiz do problema, apenas suas consequências. O segredo é não deixar ficar doente.
De acordo com análise da professora Aurélia Castiglioni, da Ufes, em muitos países em desenvolvimento, as taxas de natalidade, embora declinantes, continuam elevadas, garantindo-lhes ainda um longo período de crescimento que manterá elevada a representação das crianças no segmento dos inativos, agravando a situação de pobreza, característica de muitas destas regiões.
“Em situação oposta, nos países de desenvolvimento mais avançado, os mais baixos níveis de natalidade associados às proporções cada vez mais elevadas de idosos apontam para um regime demográfico de complexidade crescente, no qual também o segmento dos inativos, desta feita, o sub-grupo dos idosos exige elevados investimentos”.
A professora Aurélia Castiglioni realizou consistente estudo sobre o envelhecimento da população, usando Vitória, capital capixaba, como substrato representativo, e concluiu que “todos os indicadores analisados mostram a evolução do processo de envelhecimento nos contextos analisados”.
Em sua análise, “as taxas de crescimento da população brasileira deverão prosseguir em
seu curso decrescente e na segunda metade do século a população se estabilizará e, a partir daí, começará a declinar. O Brasil apresentará então predomínio dos idosos sobre as crianças: serão 17,83% de crianças e jovens contra 18,82% de idosos e a relação idosos/crianças atingirá o valor de 100 a 105 idosos por 100 crianças em 2050 (IBGE, 2004)”.
Quanto ao Espírito Santo, diz Aurélia, “apresenta tendências similares às do país, porém o processo neste estado ocorre a um ritmo mais rápido. Vitória, a capital, apresenta-se como um caso particular: são observadas algumas especificidades, decorrentes, sobretudo, do ritmo diferencial da evolução dos componentes do crescimento natural e das características particulares do processo migratório”.
Já é fato que 80% dos aposentados brasileiros recebem apenas um salário mínimo por mês e 70% deles necessitam da ajuda de familiares para viver. Recentemente, reportagem de A Gazeta mostrou especialistas apontando que em 2020, portanto, daqui a apenas nove anos, o teto da aposentadoria oficial será de apenas 3,5 salários mínimos. O que dá para imaginar quando 2050 chegar? E como evitar o caos total?
Primeiro, investindo-se na mudança de cultura em relação ao envelhecimento. É preciso mudar-se, principalmente, a visão de que o aumento da idade implica em perda de capacidade produtiva. Invista-se na experiência e no maior equilíbrio emocional advindos da maturidade. Com isso, é necessário criarem-se oportunidades para que as pessoas sintam-se úteis e produtivas, sendo, devidamente, recompensadas por isso e não exploradas.
Segundo, investindo-se em programas educacionais e de geração de oportunidade para que, ao envelhecerem, as pessoas não fiquem doentes. A ideia de que na velhice a doença é natural é uma sandice, uma heresia. Eu diria, até, que o Governo Federal deveria investir na criação de um Ministério de Políticas para o Envelhecimento Saudável do Brasil.
Especialista no assunto nutrição, a doutora Shirley Donizete Prado defende que “a história alimentar de uma pessoa ou de um grupo social mantém estreita relação com seu perfil de saúde–doença, especialmente quando se trata de longevidade e de enfermidades que se associam à idade, como doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade”.
Shirley desenvolveu um estudo denominado “Alimentação Saudável e Envelhecimento” no qual defende pressupostos como a promoção da saúde e a prevenção de doenças crônico-degenerativas, em que especial destaque é dado à obesidade “por seu recente incremento no plano nacional, tanto nas áreas urbanas como rurais e nas distintas classes sociais”.
E este é um tema complexo e profundo, conforme salientada a nutricionista: “A espécie humana ocupou todo o globo terrestre, adaptou-se às características de distintos ambientes e se alimentou das mais variadas formas. É da nossa história: não existe um único alimento capaz de suprir todas as necessidades nutricionais humanas. A vida exige o consumo de vários nutrientes, em quantidades específicas para cada um deles”.
E do que tem se alimentado nossa população? De que forma esses alimentos estão sendo produzidos? Como esses alimentos estão sendo transportados e armazenados até chegarem à nossa mesa? Como tem sido tratado nosso solo? Por que será que há algumas décadas as pessoas comiam em média 200kg de comida por ano e agora estão comendo 300kg? E, ainda assim, estão se alimentando mal?
São perguntas que não querem calar. Nos Estados Unidos - onde os maus hábitos alimentares advindos da combinação da maior abastança econômica e da avidez da indústria por lucro, ainda que à custa da saúde da população, levaram a um índice altíssimo de obesidade -, 70% das pessoas de idade mais avançada utilizam-se de suplementos nutricionais, assunto que ainda é um mito para os profissionais em nutrição e saúde no Brasil.
Talvez estejamos contaminados pelo que o economista americano Paul Zane Pilzer chamou de “economia da escassez”. “A ideia errada de que vivemos num mundo de recursos escassos tem feito mais do que impedir à maioria das pessoas a atingir o sucesso econômico. Ao longo dos séculos, esta visão negativa de escassez do mundo tem sido responsável por guerras, revoluções, estratégias políticas e sofrimento humano de imensas proporções”, disse Pilzer em um de seus livros (“Deus quer que você enriqueça”, Record).
Para a professora Aurélia, o planejamento de políticas públicas deverá considerar a modificação gradativa dos pesos dos segmentos de crianças, adultos e idosos, e adequar seus programas para o atendimento das necessidades e demandas específicas de cada um destes segmentos.
Ou seja, o desafio cresce a cada dia e 40 anos passam como num piscar de olhos. (José Caldas da Costa - Século Diário)
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