Valor Econômico - São Paulo/SP - FINANÇAS - 20/12/2011 Mônica Izaguirre e Raymundo Costa | De Brasília.
Foi o antigo Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj) que originou todos os créditos de FCVS cuja venda no mercado secundário foi objeto de denúncia de fraude pela Caixa Econômica Federal. O Berj, parte do banco que ficou com o Estado do Rio de Janeiro após a privatização, vendeu os créditos sem considerar um adiantamento de R$ 800 milhões que já havia sido feito ao banco na década de 1990 pelo fundo.A história veio à tona em reportagem da "Folha de S. Paulo" em sua edição de domingo.Por causa de subsídios concedidos nos anos 1980 a tomadores de crédito imobiliário, os bancos ficaram credores de bilhões junto ao Fundo de Compensação de Variações Salariais, o FCVS, responsável por pagar o saldo devedor residual desses financiamentos. Esses créditos vêm sendo novados, ou seja, trocados por títulos de emissão do Tesouro Nacional. Mas há credores que, em vez de esperar pela novação, preferem passar esse ativo adiante, vendendo-os com deságio no mercado secundário.Segundo a denúncia da Caixa à Polícia Federal e ao Ministério Público, não se trata de venda acima de valor de mercado e sim de fraude no valor desses créditos, o que é mais grave. A parte que já tinha sido paga simplesmente não foi considerada. Portanto, mesmo conseguindo deságio sobre o valor de face, quem comprou pode ter a receber menos do que pagou.A explicação do problema tem origem em 1992, quando a legislação mandou que o FCVS antecipasse aos bancos parte da dívida residual daqueles mutuários que, também por determinação legal, tiveram direito à quitação antecipada do contrato com desconto. Como esses contratos ainda teriam que passar por longo "pente fino" para saber se estavam regulares, os valores originais foram mantidos no sistema. Em vez de registrar somente a parte restante, o sistema registrava a dívida original e vinculava a ela a informação de que parte tinha sido paga.A fraude denunciada pela Caixa foi facilitada por uma falha de sistema, que a instituição está investigando internamente. O que vem até agora sendo tratado como um erro fez com que as informações sobre pagamentos antecipados fossem desvinculadas das respectivas operações. Assim, na hora de tirar o seu extrato, o credor via o valor total, ou seja, sem a antecipação.A Caixa dediciu fazer a denúncia entre outras razões porque, embora os "extratos" estivessem errados, quem era dono do crédito no momento da falha sabia que não tinha aquilo tudo para receber e não podia esconder isso do comprador. A falha ocorreu em setembro de 2008. Daí até agosto de 2009, toda vez que um crédito era vendido, automaticamente a informação sobre a parte já quitada se desvinculava.O valor desvinculado chegou a R$ 1 bilhão. Mas só R$ 800 milhões aproximadamente referem-se a créditos negociados com fraude. O restante ficou na mão dos mesmos credores. Em 2011, a Caixa conseguiu refazer todas as desvinculações, o que agora lhe permite bloquear os créditos cuja venda foi considerada fraudulenta pelo banco. Isso evita que o FCVS tenha prejuízo, tendo que pagar o que já foi pago.A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também foi informada. Boa parte das vendas foi feita pela corretora carioca Tetto. A Caixa ajuizou ação cautelar pedindo à Justiça o bloqueio de bens da corretora. Procurada, a Tetto não se manifestou ontem.O Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, foi um dos que comprou os créditos com valor fraudado. Em nota, a entidade disse ontem ter sido vítima e responsabiliza a Caixa pelo seu prejuízo. A Caixa, por sua vez, responsabiliza uma empresa de informática que lhe prestava serviços quando ocorreu a pane. O Postalis ressalta, no entanto, que a juíza federal substituta da 6ª Vara do Distrito Federal, Maria Cecília de Marco Rocha, proferiu decisão admitindo que a Caixa é a responsável pelo erro e que os compradores dos títulos são terceiros de boa-fé.O Palácio do Planalto descarta a hipótese de "fogo amigo" nas denúncias sobre transações com papéis da dívida pública que podem impor um prejuízo de R$ 1 bilhão aos cofres públicos, graças a um "erro" ocorrido na Caixa Econômica Federal."Trata-se de uma cortina de fumaça para esconder o essencial: alguém ganhou e alguém perdeu dinheiro com essa fraude", afirma fonte autorizada do governo federal.A queixa de fogo amigo é do PMDB em relação ao PT. Os dois partidos disputam hegemonia pelo comando do banco. O departamento onde teria ocorrido o erro faz parte da cota do PMDB na instituição.Na prática, o que ocorreu foi um "crime financeiro", segundo avaliação do governo. Um inquérito foi instaurado na Polícia Federal e um processo aberto na Justiça Federal.Só o Postalis, o fundo de pensão dos Correios, estaria com um "mico" nas mãos de cerca de R$ 100 milhões, adquiridos durante o suposto "apagão" dos sistemas de informática da Caixa que permitiu que os papéis fossem vendidos por R$ 1 bilhão a mais do que valiam no mercado.A palavra usada por integrantes do governo da presidente Dilma Rousseff é "fraude", mas no Palácio do Planalto não se subestima o potencial de crise embutido na disputa política na Caixa.O certo é que em algum momento haverá a tentativa de resgaste dos papéis. Caberá então à Caixa provar que eles foram adquiridos de má fé. Esse "imbróglio" será resolvido na Justiça.Já a queda de braços entre PT e PMDB é acompanhada de perto pelo PMDB, mas não há expectativas de mudança de curto prazo nas posições dominadas pelos dois partidos na instituição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário