Em maio publiquei com Paulo Tafner o livro "Demografia - A ameaça invisível" (Ed. Campus). Ele é o resultado de anos de reflexão acerca da questão previdenciária. O objetivo foi explicar as razões que justificam que se olhe com cuidado para as tendências demográficas envolvidas na trajetória do perfil etário brasileiro.
Há, no tratamento do problema ambiental e da temática previdenciária, uma similitude inquietante. Em ambos os casos, há decisões difíceis a serem encaradas. Em ambos, a essência do dilema político envolvido é que o custo das decisões é imediato, palpável e afeta mais alguns grupos que outros, enquanto que os benefícios das decisões são de longo prazo, difíceis de perceber e difusos. Finalmente, em ambos, a força das conveniências políticas tende muitas vezes a gerar um desfecho cruel: o custo de protelar decisões difíceis é invisível a olho nu - e acaba sendo pago, muito depois, pelas gerações posteriores.
Leia Mais...O cerne da questão ambiental é que o mundo praticamente não muda em relação ao dia anterior mas, no espaço de 50 anos, as diferenças são dramáticas. A Terra em 17/09/1978 - para citar um dia qualquer - era praticamente igual à de 16/09 do mesmo ano, mas as mudanças imperceptíveis produzidas a cada dia pela ação do homem sobre o meio ambiente produziram consequências preocupantes para o futuro do planeta, desde então.
Analogamente, o Brasil, em termos demográficos, apresenta um perfil que cada dia parece ser idêntico ao do dia precedente - embora, ao longo das décadas, as mudanças sejam marcantes. O país, no dia 07/06/2010 tem, virtualmente, a mesma composição populacional que no dia 06/06 - porém, o Brasil onde viverão nossos filhos será muito diferente do atual. E, a cada dia que passa, aumenta o ônus a ser imposto às gerações futuras por conta da nossa falta de ação na revisão das regras de aposentadoria e das pensões. O Japão é o caso por excelência de população idosa - e nós seremos os japoneses do futuro.
O gráfico é eloquente. Em 2010, temos quase 50 milhões de brasileiros com até 14 anos e menos de 20 milhões com 60 anos ou mais. Já em 2050, pelas projeções do IBGE, tais números serão de menos de 30 milhões e de quase 65 milhões de pessoas, respectivamente. A relação entre idosos e jovens, medida por esses dois grupos, passará de 0,4 idoso por jovem atualmente, para 2,3 idosos por jovem daqui a quatro décadas.
Lidar com essa questão é um desafio difícil para qualquer governante. O Brasil poderia ter aproveitado a década que está se encerrando para equacionar esse desafio para as próximas gerações. Nunca mais teremos a combinação de: 1) uma realidade demográfica ainda benigna; e 2) uma liderança política com a popularidade do presidente Lula. No futuro distante, tudo será mais difícil: o perfil demográfico será mais adverso e não haverá outro presidente com 80% de popularidade. O Brasil perdeu uma chance histórica. Podendo ser formiga, o Brasil optou por ser cigarra. A História não costuma ser benevolente com países que agem dessa forma.
Entre 1980 e 2010, a população brasileira na faixa de 15 a 59 anos teve um crescimento anual de 2,1%. Já em 2050, esse contingente populacional será o mesmo que atualmente - o crescimento será nulo. Isso significa que toda a expansão econômica do país nos próximos 40 anos dependerá dos ganhos de produtividade. É um desafio maiúsculo.
Nosso livro é uma tentativa de contribuir para o debate acerca de uma das questões mais importantes para o futuro do país. Cedo ou tarde, a Constituição deverá se adaptar à demografia - uma vez que a demografia não irá se adaptar à Constituição. A tarefa colocada para os futuros governantes - em 2011, 2015 ou 2019 - é imensa. Com a perspectiva de termos a melhor década no país desde os anos 70, será tentador deixar a questão para o governante seguinte. Entretanto, cabe uma reflexão acerca do compromisso que temos com as gerações futuras. Se não fizermos nada, estaremos agindo como as gerações passadas, despreocupadas com o futuro do planeta. Hoje, o Brasil tem muito petróleo a explorar e um contingente ainda relativamente pequeno de aposentados. Precisamos pensar no que será o Brasil dos nossos filhos, se o petróleo tiver se esgotado e tivermos quase 65 milhões de idosos. Em 2010, para cada 100 brasileiros na faixa de 15 a 59 anos, há apenas 15 pessoas com 60 anos ou mais. Em 2050, haverá 52. Que legado desejamos deixar para as gerações futuras? O leitor tem a palavra. (Fabio Giambiagi - Valor Online)
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