sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O contrato previdenciário em primeiro lugar

“Num contexto de juros em queda, em que ficou mais difícil obter rentabilidades adequadas, é preciso dobrar a atenção em relação às obrigações dos planos, estar atento ao surgimento de novos compromissos introduzidos no passivo sem a necessária definição de sua fonte de custeio”. A afirmação foi feita ontem, no 30º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, na plenária dedicada ao tema O Poder Judiciário e o Equilíbrio Atuarial e Financeiro dos Fundos de Pensão, pelo advogado Adacir Reis, sócio do Escritório Reis, Torres e Florêncio Advogados. Um pouco depois, outro conferencista, o professor Flávio Marcílio Rabelo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), completou essa observação notando, depois de estudar as realidades vividas nos EUA, Canada e países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que “ao contrário do que acontece no Brasil, não se vê no exterior casos em que o Judiciário ignora o contrário previdenciário e reconhece aos participantes direitos não previstos inicialmente, acrescendo assim valores aos benefícios”.

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A plenária tratou exatamente disso, ou seja, das decisões de juízes de primeira instância e de tribunais que, não entendendo bem a natureza dos fundos de pensão e de como estes de relacionam com patrocinadoras e participantes dos planos administrados, reconhecem direitos que criam despesas imprevistas.



No entender de Adacir tais decisões do Poder Judiciário constituem uma forte ameaça à estabilidade dos planos. E fica difícil para os fundos enfrentá-la porque cada um tem um porte diferente e patrocinadoras de diversas naturezas, que podem ser privadas ou públicas (federal, estadual ou municipal), o que dificulta a escolha de uma estratégia única de enfrentamento do problema. Além disso, tudo isso constitui situações novas e a legislação dos fundos é reconhecidamente complexa e especializada.



Para complicar, continuou Adacir, a Previdência Complementar é um tema novo para o Judiciário, praticamente desconhecido nas escolas de Direito. Sem esquecer que os tribunais superiores estão mudança, oferecendo menos espaço para manobra. Se um recurso é entendido como repetitivo impacta todos os demais que o seguem utilizando as mesmas ferramentas e argumentação, de modo que se a Justiça rejeita um deles, e justo o elaborado de forma menos competente, ficam prejudicados todos os restantes, mesmo se melhor produzidos do que o primeiro a ser examinado. Está também nessa linha a súmula vinculante.



Daí que, segundo Adacir, é mais que nunca necessário os fundos se unirem em uma ação coordenada, em que os conceitos defendidos estejam harmonizados entre si. Recomenda-se também às entidades que conversem o mais possível com as instituições representativas dos participantes ativos e assistidos, tentando através de um trabalho transparente conquistá-las o mais possível para as suas teses.



Outra recomendação apresentada por Adacir foi no sentido de alertar as patrocinadoras para que informem os seus fundos de pensão das negociações trabalhistas em curso, para que eventuais concessões aos empregados não terminem impactando os planos.



A argumentação utilizada deve ser sempre simples e clara, tentando mostrar que fundo de pensão não é instituição financeira, direitos e obrigações só os constantes dos planos, não há como pagar benefícios sem a prévia definição das fontes de custeio, não é verdade que o fundo “é o poderoso” e o participante “o frágil e coitadinho” e, finalmente, a Previdência Complementar é tratada por uma legislação especial.



Nos EUA, Grã Bretanha, Canadá e países da OCDE, onde não se cogita como aqui de atropelar o contrato previdenciário, observou o professor Flávio, a mais conhecida razão de contencioso opondo participantes, fundos e patrocinadoras, reside na insolvência dos planos, sendo que nesse caso a discussão concentra-se em como distribuir os recursos escassos. Mas também há discussões na Justiça em torno de situações em que a patrocinadora vai à falência sem estar o plano insolvente. Os planos de Benefícios Definidos (BDs) concentram as maiores controvérsias no Judiciário.



Outras causas de litígio na Justiça são a fusão de empresas que patrocinam planos, denúncias de má gestão dos investimentos, se os participantes receberam suficientemente esclarecidos antes de fazerem a sua opção por um dos perfis de investimento ofertados, suspeitas de desvio das contribuições dos trabalhadores, investimentos elevados em papéis de emissão do patrocinador, desatenção no acompanhamento da performance da carteira, custos administrativos elevados, direitos sobre o superávit e ajuste do valor das distribuições em parcela única pelos mesmos critérios aplicados aos benefícios vitalícios. Em qualquer caso, explicou Flávio, os juízes tentam especialmente identificar se houve quebra do dever fiduciário e se os gestores foram suficientemente prudentes.



“Trata-se, enfim, de distinguir entre a percepção de ter sido de fato lesado e a presunção de um direito não explicitado em contrato”, concluiu Flávio.



Para Ivan Bechara, Diretor de Legislação e Normas da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), o Judiciário tem de fato nessse momento um grande poder sobre o equilíbrio atuarial e financeiro dos planos, mas é necessário ainda assim não exagerar nas responsabilidades atribuídas aos juízes e ministros.



De toda maneira, reconheceu Ivan, recorre-se muito mais hoje ao Judiciário. Em 2005 ingressaram na Justiça 35 ações de participantes contra a SPC. No ano passado, este número subiu para 117 e em 2009, até agora, já são 107. “Há uma preocupação crescente no sentido de que a quantidade de processos na Justiça” (não apenas mos que têm a SPC como alvo) “termine prejudicando a qualidade das decisões judiciais”.



Ivan salientou a importância de se prestar atenção à segregação entre os patrimônios dos diferentes planos administrados por um mesmo fundo de pensão, sendo que essa separação hoje se faz até mesmo dentro de um mesmo plano, em razão das situações diferenciadas em que se encontram os seus participantes. Nesses casos, é essencial que tudo esteja adequadamente apoiado nos estatutos, além das normas, claro.



Ao lado disso tudo deve ser feito para tentar reduzir o risco legal. A Resolução CGPC 13 assume esse papel, por exemplo, ao mandar fazer provisão para cobertura de eventuais perdas.



Outro conferencista, José Marcos Lunardelli, juiz federal e mestre e doutor em Direito Econômico pela USP, reconheceu que “o Judiciário tem dificuldade em não ver o fundo de pensão como o forte que pode abusar do pequeno, o participante”. Mas já há, segundo ele, juízes que “entendem que aquilo que se paga a mais a um ex-participante sairá do bolso dos demais participantes”.



O presidente da Petros, Wagner Pinheiro, também palestrante na mesma sessão plenária, disse: “Sabemos que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica aos fundos de pensão, mas a sociedade brasileira não sabe, por ainda não conhecer suficientemente o nosso sistema”. Todo o esforço deve ser feito no sentido de mudar esse quadro, disse Pinheiro, defendendo a mobilização das entidades em torno de uma ampla campanha destinada a divulgar o nosso sistema.(Abrapp)

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