O ciclo de queda da Selic, que trouxe a taxa básica brasileira de 13,25% para 10,25% ao ano de 2006 para cá, provocou mudanças no comportamento dos diversos grupos de investidores. Junto com os episódios da crise internacional, que mostraram sua face mais adversa a partir de setembro, os agentes financeiros rearranjaram suas carteiras. Tal mobilidade fornece pistas de que toda a discussão em torno das alterações nas regras da caderneta de poupança é apenas uma das repercussões possíveis no atual ciclo de afrouxamento monetário - que pode levar o juro brasileiro para menos de 10% ao ano na semana que vem.
O diagnóstico consta num modelo preliminar de contas financeiras, desenvolvido pelo recém-criado Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec) - entidade técnica do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), com o apoio da Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima) e da Fundação de Pesquisas Contábeis, Financeiras e Atuariais (Fipecafi). Com a matriz, a intenção é medir, primeiro, o fluxo da poupança, a forma como os recursos são mobilizados, para, num segundo estágio, avaliar como são distribuídos na economia, no financiamento dos setores público e privado e qual a eficiência dessa alocação.
Leia Mais...Pelo lado da captação, levando-se em conta as fotografias do fim de 2006 e de março último, o que se nota é que os bancos e os fundos de investimentos, os grandes financiadores da dívida pública, movimentaram-se em direções opostas na exposição a papéis federais. O primeiro grupo aumentou a participação, de 43,9% para 45,7%, considerando-se ativos em carteira própria e os títulos que compõem os depósitos compulsórios no Banco Central (BC). Já os fundos reduziram a sua fatia de 47,8% para 40,1% no total da dívida pública, que no fim de março encostava no R$ 1,4 trilhão. Excluindo-se o setor bancário do bolo, a parcela de títulos públicos dos fundos passa de 85% para 74%.
Já na carteira dos fundos, a parcela de títulos públicos caiu de 61,9% para 51,5%, enquanto as operações compromissadas, de alta liquidez, mais do que dobraram, de 12,8% para 26%, a R$ 249,4 bilhões. "Entre outubro e janeiro de 2009, os cotistas sacaram cerca de R$ 60 bilhões, o que mostra que os gestores estavam certos em ampliar a fatia de liquidez", diz o diretor do Cemec e coordenador do modelo de contas financeiras, Carlos Rocca.
Já os fundos de pensão, com compromissos atuariais de longo prazo, elevaram de 12,9% para 19,6% a parcela em títulos públicos, a R$ 80,7 bilhões. Os estrangeiros, por sua vez, ampliaram a participação de 16,9% para 34,5%, a R$ 97,9 bilhões, de 2006 para cá, considerando-se as aplicações diretas ou por meio de fundos com 98% do patrimônio em papéis federais.
Os investidores domésticos não-financeiros (pessoas físicas ou empresas), alvo das discussões em torno da caderneta, em meio à crise e ao movimento de queda dos juros, concentraram suas aplicações nos certificados de depósitos bancários (CDB). Em março, detinham uma fatia de 34,5% (R$ 766,216 bilhões) em comparação aos 25,7% de dois anos e meio atrás. Títulos privados corporativos também ganharam participação, passando de 12,6% para 17,5%.
"Os números sugerem que a redução das taxas traz mudanças nas carteiras de todos os investidores do mercado, há um rearranjo nos diversos níveis", observa Rocca. Isso quer dizer que uma eventual diminuição da Selic para a casa dos 9% ao ano não significa, necessariamente, que os investidores migrarão dos fundos rumo à caderneta, apesar de esse instrumento popular de captação ganhar competitividade ao garantir remuneração de 6,17% ao ano - virtualmente mais do que os fundos DI, que têm custos com taxas de administração e tributos.
Pelo menos até aqui, não houve grandes movimentações nesse sentido. No primeiro trimestre, a caderneta teve captação líquida de R$ 4,771 bilhões, em comparação ao fluxo de R$ 13,934 bilhões observado no mesmo período do ano passado. Os fundos, por sua vez, tiveram ingressos líquidos de R$ 8,393 bilhões, ante R$ 29,950 bilhões dos três primeiros meses de 2008. Os depósitos a prazo continuaram mostrando evolução, com entradas de R$ 40,607 bilhões no primeiro trimestre, ante os R$ 39,689 bilhões captados no mesmo intervalo de 2008.
A comparação anual reforça a preferência pelos CDB, com R$ 221,438 bilhões investidos nessa categoria no ano passado - um salto de mais de sete vezes quando confrontado com os R$ 30,767 bilhões de 2007. O aumento da captação coincide com o período em que os fundos de investimentos, em geral, e a categoria renda fixa, em particular, inverteram o sinal. A partir de abril de 2008, antes mesmo de a quebra do Lehman Brothers ter exacerbado o sentimento de aversão a risco, essas carteiras passaram a contabilizar saídas líquidas sistematicamente.
Para Rocca, tal comportamento dá indicações de que a queda do juro continuará movendo os investidores para diferentes lados. Os bancos, na administração das carteiras próprias de títulos públicos podem, por exemplo, considerar tais operações menos atrativas e estimular o crédito. Já os fundos de pensão, que têm compromissos de longo prazo, podem ampliar as parcelas em depósitos bancários e títulos privados ou até ações. Ele tem dúvidas de que o juro primário brasileiro em níveis civilizados provoque uma migração em massa dos fundos para a caderneta.(Valor)
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