O sistema foi concebido como um pacto de gerações
São poucos os especialistas em Previdência Social no País, seja a pública ou a privada. Tirando o senador Paulo Paim e o deputado Arnaldo Faria de Sá, pouquíssimos senadores e deputados conhecem Previdência, seja pelo lado do financiamento ou dos benefícios. Há ilhas de conhecimento de Previdência no Ipea, na Uerj e FGV. Muitos opinam em função de seus interesses imediatos. A cultura previdenciária, de 86 anos, foi visivelmente dilacerada pelas sucessivas intervenções negativas do Estado na própria previdência.
A Previdência foi concebida como um pacto de gerações em que os trabalhadores de hoje provêem os de ontem, numa arquitetura de proteção social. Não aceita benefício sem custeio (financiamento) atuarial compatível com a expectativa de vida. Isto numa época em que o mundo sonhava com o bem estar social das pessoas, trabalhava-se muito, ganhava-se e vivia-se pouco. A evolução econômica e social mudou os mecanismos de compensação, mas manteve a filosofia do sistema, alterada pelo assistencialismo de um lado, e a voracidade do mercado especulativo, do outro.
Leia Mais...Depois de uma safra de técnicos e especialistas que resultaram dos institutos na era Vargas, eles se foram e não tiveram substitutos à altura nas instituições previdenciárias que lhes sucederam. O ministério, por exemplo, foi esvaziado e ocupado por terceirizados ou comissionados compromissados com seus instintos. No INSS, aconteceu o pior: arrivistas de todos os tipos ali desembarcaram não para pensar previdência, mas para cumprir missões de seus mandantes. O ciclo das cabeças pensantes que fundamentam a cultura institucional parece encerrado dentro da própria instituição.
Isto apesar da Previdência Social pública mexer com 36,4 milhões de segurados contribuintes e 26,3 milhões de beneficiários, sendo 22,9 milhões do RGPS. Em 3.773 dos 5.561 municípios brasileiros (67,85%), os pagamentos do INSS superam o FPM - Fundo de Participação dos Municípios. O INSS tira da pobreza mais de 20 milhões de pessoas.
A reforma tributária proposta em momento difícil em que a cultura previdenciária declina e a inflacionária floresce, em que os entes federativos querem mais para custeio (empreguismo) e menos para investimentos, em que a corrupção mina e dilacera as instituições públicas, está sendo feita para beneficiar os que se alimentam do gasto público e da omissão do Estado protetor e provedor.
Em nenhum momento, Câmara e Senado se debruçaram sobre as mudanças que afetam a medula da previdência. O olhão do empresariado e de seus agentes infiltrados no Executivo e no Legislativo (lobby cruzado) só enxergou a desoneração progressiva da contribuição sobre a folha, sendo que cada redução de um ponto percentual terá impacto de R$ 3 bilhões anuais no combalido caixa previdenciário. Está se desperdiçando oportunidade para se examinar o financiamento da Previdência Social pública, do RGPS. Pelo que conhecemos, o atual sistema contributivo (empregador/empregado) não é pesado para a sociedade e tem espaço para crescer, se fizerem os ajustes necessários: combatendo a sonegação, eliminando as renuncias, cobrando e recuperando dívida, controlando a despesa, afastando os políticos.
Para compensar o desmantelamento da receita previdenciária e o esfarelamento da arrecadação, fiscalização, controle, recuperação de dívidas administrativas e ativas, foram feitas transferências de mais de R$ 320 bilhões nos últimos seis anos para que o INSS honrasse seus pagamentos.
O mais grave é que além do desconstruir a Previdência Social, esterilizando a receita previdenciária, com a efetiva participação do Judiciário, e sem qualquer reação do Legislativo, corremos o risco da reforma tributária sepultar o conceito de Seguridade Social.
A reforma deixa de fora os milhões de trabalhadores, servidores públicos, civis e militares, e os 7 milhões que continuam inadvertidamente comprando títulos de investimento em previdência. (Paulo César Régis de Souza - Estado de Minas-12.06)
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