terça-feira, 4 de maio de 2010

Aposentadoria sustentável

Sob pressão do mercado e da sociedade, fundos de pensão começam a adotar investimentos mais conscientes
Juntos, estima-se que eles sejam responsáveis por um terço das ações em Bolsa de Valores movimentadas no mundo. Já individualmente, dependem de uma gestão que, em meio a riscos e crises de toda natureza — ponha-se aí a do próprio planeta —, garanta a milhares de cidadãos o passaporte para uma vida tranquila, fruto da tão sonhada aposentadoria privada. Por essa imensa responsabilidade aliada a um patrimônio gigantesco, os fundos de pensão têm sido alvo tanto da esperança quanto da desconfiança de economistas, ambientalistas e beneficiários mundo afora, que cobram maior transparência nos negócios e engajamento no que diz respeito à transição para uma economia mais justa e menos impactante ao meio ambiente. No Brasil, o movimento também toma forma e está levando fundos nacionais, detentores de 17% do PIB nacional em 2009, a repensarem seus investimentos em empresas e projetos cujos negócios são nocivos à sociedade e ao meio ambiente. O Previ, por exemplo, maior fundo de pensão do país, já anunciou corte de investimentos em empresas do ramo de tabaco e de armamentos. Mas os especialistas cobram ainda mais ações.
Sob pressão da sociedade civil, um dos maiores fundos de pensão do mundo, o Fundo Global do Governo da Noruega, ficou conhecido após publicar novas regras de atuação, exigindo enquadramento de empresas nas quais ele investe em diversos padrões sociais e ambientais. A partir de exemplos como esse, a discussão tem tomado dimensões internacionais.
Um exemplo prático dessa preocupação com a imagem de sustentável foi a resistência encontrada nos três maiores fundos de pensão do país, o Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), o Petros (funcionários da Petrobras) e o Funcef (funcionários da Caixa Econômica Federal) quando perguntados sobre a possível participação como investidores no consórcio que construirá a hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. A mídia tem noticiado que o governo aguarda a participação deles como investidores no empreendimento, mas, em meio a tanta polêmica por conta dos impactos socioambientais que a construção vai causar, os três afirmaram que ainda não têm posicionamento definido e preferiram abreviar a discussão.

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Previ, Petros e Funcef são fundos signatários do Programa de Princípios para Investimentos (PRI), lançado pelas Nações Unidas como guia para investimentos sustentáveis, e também recebem o selo Carbon Disclosure Project, que tem por objetivo identificar as empresas e instituições que combatem as emissões de carbono mundiais. Mas quem tem sido considerado protagonista no Brasil é o Previ, que tem assento no conselho da PRI e representa sozinho cerca de 5% do mercado de ações brasileiro. O fundo, que lançará amanhã seu primeiro relatório de sustentabilidade, foi o primeiro a anunciar, por exemplo, corte de ativos nos setores de tabaco e armamentos, que não estariam mais de acordo com a nova triagem para investimentos criada em 2008. Segundo o diretor de investimentos do Previ, Fábio Moser, aos poucos a empresa está vendendo suas ações da Souza Cruz, de tabaco, e da Forjas Taurus, produtora de armamentos: — Dentro da nova política do Previ, temos uma peneira positiva e uma negativa. Além de avaliarmos se a empresa tem potencial de rendimento, hoje avaliamos os impactos. Por outro lado, é relevante se uma empresa tem participação no Índice de Sustentabilidade da Bovespa (ISE) ou se um projeto vai trazer benefícios ambientais e até gerar créditos de carbono. Sabemos que é preciso mexer no bolso para impulsionar essas mudanças, em prol de uma nova economia.
Moser afirma, no entanto, que ainda é fora de cogitação no Brasil reduzir os percentuais investidos em empresas fortes que possuem atividades naturalmente impactantes, como é o caso da Petrobras e da Vale. A saída, segundo ele, é cobrar que essas empresas invistam na redução dos impactos e em alternativas de compensação, além do respeito às legislações trabalhistas e relativas ao uso da terra, com o objetivo de combater o desmatamento: — Em 2007 recebi uma denúncia de que a Vale vendia minério de ferro para guzeiros ilegais, e fomos até ela. É uma cadeia, e agora a Vale faz um trabalho para que o guzeiro também respeite a legislação — disse ele, assumindo, por outro lado, as dificuldades de se atingir a transparência no setor: — Faltam informações de muitas empresas. A transparência é um dos pilares, então estamos incentivando que as companhias publiquem relatórios de sustentabilidade. A gente entende que isso é um problema, mas estamos buscando mais transparência.
Fundos de pensão na economia nacional, segundo o último relatório da Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), de dezembro de 2009, os investimentos do setor totalizam nada menos do que R$ 484 bilhões. Mas, assim como a estrutura da economia brasileira, os principais investimentos são no mercado financeiro, em serviços, e, na área industrial, em Petroquímica e Mineração, atividades com profundo impacto ambiental.
Não há, por enquanto, nenhum levantamento da associação ou dos próprios fundos sobre o percentual de ativos considerados “verdes”. Mas, embora os fundos brasileiros estejam se mexendo em direção a uma estrutura de investimentos mais sustentável, esse percentual seria muito baixo, segundo o especialista em finanças sustentáveis Roberto Gonzalez.
Para ele, o discurso pode estar afiado, mas ainda se distancia da prática: — Há uma vontade política de fazer algo, mas dificuldade de se implementar. O discurso está claro no nível dos principais executivos, mas não chega aos operadores das ações. Além disso, com o poder que os fundos de pensão têm, podem fazer muito mais. As empresas precisam abrir suas informações relacionadas a sustentabilidade, prestar contas, fazer relatórios. Falta transparência. Em relação à governança, os fundos de pensão começaram a cobrar, e hoje isso virou pré-requisito nas empresas. Deu certo, e o mesmo pode acontecer em relação a outras práticas mais sustentáveis — explicou ele, ressaltando que o contribuinte também tem que acompanhar as movimentações do fundo: — Hoje, os planos de benefício definido estão acabando, então a pessoa passa a depender de como seus recursos serão aplicados para só então saber o valor da aposentadoria.
Deve-se exigir transparência e negócios que garantam uma aposentadoria segura, em um mundo melhor, claro. É um contrassenso investir em negócios que vão na direção contrária das necessidades do planeta onde se vai viver.
Apesar de assumir que os fundos brasileiros ainda têm um longo caminho a percorrer, o consultor especial da Presidência do Funcef, Umberto Conti, não concorda que exista falta de transparência. Segundo ele, o entrave para investimentos mais sustentáveis é a falta de uma metodologia de análise de ativos que inclua o critério sustentabilidade: — A avaliação do investimento é que pode mudar.
Empresas que provocam mais impacto teriam o valor de mercado reduzido, por exemplo. Sem a certeza do retorno financeiro, não dá para entrar, pois nós temos metas altíssimas para cumprir e somos responsáveis pela aposentadoria das pessoas. Mesmo assim, temos investimentos como o FIP Florestal, por exemplo, que se trata da recuperação de mata nativa, para posterior venda de madeira oriunda de floresta plantada. É algo que tem foco ambiental, mas dará retorno econômico.
Agora, todas essas informações estão à disposição dos nossos contribuintes. Exigimos transparência — disse, afirmando, em seguida, que a empresa ainda não pensa em publicar um relatório de sustentabilidade: — Vamos fazer um balanço social e temos um relatório anual extenso, onde a sustentabilidade é um capítulo.
Não acho que exista necessidade de fazer um específico.
O diretor financeiro e de investimentos do Petros, Luis Carlos Afonso, não deu entrevista, mas afirmou, por e-mail, que o fundo atua, juntamente com a Funcef, no FIP Florestal, além do FIP Vale Florestar, ambos com a finalidade de recuperar áreas e plantar madeira d e f o r m a m a n e j a d a .
Além disso, o Petros possui investimentos em projetos de energia limpa e biotecnologia.
Mas também não tem previsão de publicação de relatórios de sustentabilidade.
E m um níve mais avançado, o Fundo Global do Governo da Noruega (ABP) aparece à frente do processo de redirecionamento dos recursos para empresas que causam menos danos ambientais e àquelas que se empenham para limitar a produção das emissões de carbono, que estão contribuindo para o atual processo de aquecimento global. Junto com o imenso fundo de pensão do governo holandês e o fundo da Agência Ambiental Britânica, o ABP reformulou suas estratégias de investimento, que, segundo o parecer dado pelo Ministério das Finanças do país, não estava de acordo com as metas e missões na nação. De lá para cá, o ABP já vendeu ações de oito empresas por questões socioambientais, uma delas a mineradora Rio Tinto, por desrespeitar as condições básicas de trabalho na Indonésia.
A principal pressão por essas mudanças veio da sociedade civil norueguesa, representada tanto por empresas que possuem negócios mais sustentáveis, como por importantes ONGs do país, além dos próprios contribuintes do fundo. É o que explica o ambientalista Frederic Hauge, diretor da Fundação Bellona, maior organização ambiental não governamental da Noruega, que pressionou o poder público a tomar uma atitude. Segundo Hauge, a proposta não é que os fundos de pensão abandonem setores de investimento necessários, como o de mineração, gás e petróleo, mas que escolham as companhias mais sustentáveis dentre as possibilidades, ou imponham mudanças às companhias nas quais têm participação, para que elas sejam obrigadas manter boas práticas: — Depois da crise econômica, os investidores perceberam que há grandes riscos no mercado financeiro e que é necessário ter investimentos a longo prazo. É nesse momento que as empresas e projetos mais sustentáveis podem sair ganhando, pois setores como energia renovável vão dar retorno. Empresas que possuem uma atuação sustentável trazem mais segurança, embora, de início, às vezes seja necessário arriscar e até reduzir um pouco os lucros. Essa pressão vem do próprio mercado, mas tem que partir também da sociedade civil. Afinal de contas, primeiro a gente precisa garantir que o planeta esteja em boas condições, se não, de que adianta se aposentar? Hoje, o ABP, além de vender participações em empresas que não se enquadram nas regras, tem cobrado novas atitudes nas que continua investindo. O fundo cobra relatório de emissões de gases e relatórios de sustentabilidade de todas, além de mudanças práticas. Foi o caso do Wal-Mart, no qual o fundo norueguês teve participação importante na mudança de posicionamento.
Hauge lembrou também de outro bom exemplo: o fundo estatal de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Em um país onde praticamente todos os ativos estão concentrados em ações de petróleo e gás,o fundo resolveu apostar no projeto de uma cidade sustentável e está destinando bilhões no novo município verde, que se chamará Masdar.
Além disso, na Inglaterra, os gestores dos fundos da Agência Ambiental Britânica também cancelaram contratos no valor de milhões de dólares com empresas, como as americanas Capital International e a State Street Global Advisor, após concluir que elas não seguiam o que a agência considera normas ambientais adequadas. Já o fundo dos professores da Califórnia, conhecido como Calsters, com carteira de US$ 169 bilhões em ativos, afirmou, por meio de nota, que só as empresas que tomam medidas contra as mudanças climáticas receberão investimentos. Segundo a assessoria, o Calsters tem pressionado companhias como a Exxon Mobil e a Southern, uma gigante dos serviços públicos, a divulgarem integralmente as emissões de gases que contribuem para o aquecimento global.
Para entender os fundos de pensão:
O QUE SÃO: São entidades fechadas de previdência, sem fins lucrativos, organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, acessíveis apenas aos empregados de uma ou um grupo de empresas.
OBJETIVO: Realizar investimentos para garantir uma complementação da aposentadoria aos empregados que aderirem ao plano. O dinheiro investido forma um patrimônio que é aplicado dentro de limites estabelecidos pelo Banco Central.
RISCOS: O maior risco é que o fundo não consiga fazer o pagamento do benefício. E isso depende muito da gestão dos investimentos de cada fundo. Por isso, é importante ficar atento às notícias que saem sobre os fundos e acompanhar as informações de investimentos que o gestor é obrigado a enviar trimestralmente. A lei obriga que esses fundos publiquem anualmente balanços. Mesmo assim, especialistas em previdência privada ainda apontam falta de transparência no setor.
INFORMAÇÔES: O contribuinte pode pedir ao seu Fundo detalhes sobre onde está sendo investido seu dinheiro. (Camila Nobrega - O Globo)

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