Artigo de Sergio Malacrida, sócio da consultoria PR&A, publicado no Valor: “A atual crise tem deixado profundas marcas em tomadores e aplicadores de recursos. No que diz respeito ao risco de crédito, as marcas vêm sendo traumáticas, especialmente no mercado corporativo (entendido aqui como o mercado das grandes e médias empresas). Os eventos de crédito vêm ocorrendo com uma frequência maior do que a que estávamos habituados. Apesar de ser difícil de qualificar os motivos, não há dúvidas acerca do papel dos derivativos em alguns desses eventos de crédito.

Muitas empresas utilizaram derivativos de modo inadequado ou com negligência e é importante que fique registrado que este texto não é uma apologia contra o uso de derivativos, que são, sim, instrumentos preciosos na gestão do risco, desde que sejam utilizados da maneira adequada. Vale para eles a máxima de que às vezes a diferença entre o veneno e o remédio é a dose.
Passados mais de dez meses desde o início da crise, fica a questão de quanto as empresas evoluíram no que diz respeito às suas maneiras de gerenciar riscos. Vamos analisar, por exemplo, o caso das grandes empresas.
Apesar dos denominados "derivativos tóxicos" terem virado vilões, algumas empresas continuam utilizando tais instrumentos. É verdade que a maior parte delas já não permite mais o uso dos referidos derivativos, porém, algumas empresas continuam utilizando tais instrumentos. O que se verifica, entretanto, é um uso mais controlado: os spreads bancários que essas operações apresentam atualmente é menor do que aqueles de antes da crise. Ficou evidente que a montagem de uma operação de hedge deve ser algo pensado, discutido à exaustão, pois uma vez que tal operação foi montada, a desmontagem não é tão simples e, muitas vezes, não pode ser feita unilateralmente.
No que diz respeito à governança dos processos de risco, a evolução tem sido evidente: empresas montaram áreas de risco, apesar de muitas já atenderem esse quesito há bastante tempo; as áreas de risco criadas passaram a não mais se reportar aos diretores financeiros, mas sim poderem atuar de maneira independente; políticas de risco começaram a ser redigidas a quatro mãos (tesouraria e área de risco) e passaram a envolver as áreas de auditoria interna e, eventualmente, outras áreas de controle. Comitês foram criados. Comitês dinâmicos e funcionais potencializam a cultura de risco nas empresas e cultura de risco é uma condição necessária para o bom entendimento das exposições das empresas.
Paralelamente a essas inovações, passei a observar discussões que muitos já entendiam como desnecessárias: como calcular a exposição a determinado fator de risco, como calcular exposição cambial quando se tratar de derivativos e como apresentar aos conselheiros e acionistas tais resultados de maneira adequada e compreensível. Nestes exercícios, muitos percebem (inclusive especialistas) que conceitos simples merecem ser sempre revisitados, discutidos. Em uma frase: colocados à prova.
Outra diferenciação tornou-se relevante: a diferença entre "Fair Value" (FV, valor justo) e "mark to market" (MtM, marcação a mercado). O "fair value" de um derivativo é o valor teórico de desmonte da operação que se obtém a partir de um modelo matemático/estatístico teórico e que utiliza parâmetros que podem ser obtidos em feeders. O "mark to market" de um derivativo, por sua vez, é o valor pelo qual a contraparte da empresa está disposta a pagar ou receber para o desmonte da operação. É verdade que muitas vezes o "mark to market" é obtido por meio de modelos teóricos. Porém, os parâmetros podem, muitas vezes, refletir condições específicas de mercado. Em mercados muito líquidos, é comum que esses conceitos convirjam. Entretanto, quando se trata de mercado com pouca liquidez, esses valores podem divergir significativamente. Nesta crise, cheguei a ver diferenças aparentemente inexplicáveis.
Ouvi muito nesta crise que ela mostrou que os livros textos não servem para nada. Muitas empresas possuíam softwares de risco, calculavam o VaR e, mesmo assim, foram vítimas de perdas astronômicas. Minha impressão, porém, é outra e completamente oposta a esta: o que faltou a muitos foi exatamente reler os livros textos e repensar sobre conceitos básicos.
Tenho a impressão de que, pelo menos por hora, o risco passa a ser tratado com o devido respeito. E como isso é saudável ao mercado de capitais: empresas mais atentas a seus riscos podem representar um menor número de eventos de crédito no futuro. Espero que não voltemos mais a perder o respeito com o risco, especialmente quando voltarem os tempos de vacas gordas”. (Valor )
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